15.10.08

::(...) parteII::

The World Spins Madly On

Eu acabei de ler um post do Vinícius sobre como nos interessamos pela vida dos outros… enquanto no Brasil é dia, no Japão é noite, estou uma hora atrás do Brasil e cinco horas atrás na Inglaterra. E, enquanto são 11 horas da noite em Nova Iorque, são 8 da noite em Los Angeles.
Acho que a curiosidade sobre a dinâmica das outras pessoas fica ainda maior quando você está longe de casa, você fica constantemente imaginando o que os outros estão fazendo ou o que estariam fazendo se você estivesse lá. E você às vezes se pega imaginando como seria se você não tivesse viajado ou se já tivesse voltando e como as coisas estarão com você nesse mesmo dia, daqui há um ano.
Penso que todo mundo tem uma curiosidade, uma coceirinha interna de saber da vida dos outros, se não fosse assim não se criatiam histórias, nem fofocas, nem big brother, nem livros e nem mentiras… e nem psicólogos. Somos manicures e cabeleireiras com diplomas, com licença pra ouvir fofoca e escárnio e histórias ou estórias. Temos uma vontade enorme, uma necessidade de saber o que acontece com o outro e uma necessidade ainda maior de ajudar o outro a ver. E é verdade, temos dificuldade, uma quase impossibilidade de ficar por fora. Você pode não querer saber da minha vida, mas tem sempre alguém que vai querer saber e vai quer dar palpite e vai querer ajudar ou sabotar.
Existem tantas razões pelas quais a gente precisa saber do outro, saber o que ele faz, como ele faz, o que ele pensa… Eu sei que o Vinícius gosta de explorar as coisas num modo mais romântico, mais psicanalítico, eu prefiro ir por aqui, mas chegando no mesmo lugar. As pessoas aprendem por observação e imitação. Precisam de repertório pra performar ações e reações. Saber do outro, o que ele pensa é uma forma de aumentar nosso repertório, de acrescentar cores na nossa paleta de possibilidades. O problema, no meu ver, é tomar o que o outro diz instantâneamente como certo ou errado. Eu acredito que antes de qualquer coisa, tudo o que pegamos do outro precisa ser filtrado, sobrando aquilo que pensamos pode tirar algum proveito e depois ver essa sobra como algo que passe pela peneira “tentativa e erro”. Se der certo, ótimo. Se não der.. o que eu aprendi?
A verdade é que é preciso muito de um único indivíduo pra que não se culpe os outros por tudo o que dá errado. É horrível ter que admitir que, se eu engordei isso é problema meu. Se eu não consigo perder pesso é porque eu não tenho me dedicado o suficiente e ninguém tem nada a ver com isso senão eu. Se eu não passei em tal concurso foi porque eu não estudei o suficiente, se eu disse mais do que devia, eu não posso me sentir ofendida ou dar pra trás quando vierem me pedir satisfação. É dificíl demais segurarmos sozinhos as pontas de todas as nossas ações. Talvez por isso eu conheça tão poucas pessoas assim e tantas que dizem que são assim. É menos “o que eu fiz pra merecer isso” e mais “onde eu preciso mudar pra que isso não aconteça mais?” Tomar as rédeas é difícil demais e simplesmente não tomar e se submeter é não só uma covardia como um disperdício de vida, uma falta de respeito próprio e um puta de um abuso com todas as pessoas ao redor. Sentar e ir de carona faz a gente não prestar pra nada.
Fazer críticas, “falar mal”, julgar, comentar, fazer observações, questionar ações nada mais é do que fazer escolhas. São métodos diferentes, mas é bem isso. É transformar em palavra a separação das coisas que consideramos boas e ruins pra gente, é deixar claro publicamente o que nos agride e o que nos serve. É estabelecer verbalmente um conjunto de prós e contras, de “dos e don’ts” e, quando falamos, corremos o risco de má interpretação, digo, em toda a opinião existe um pouco de coação. Quantos de nós já não expomos nossas opiniões com ferocidade, com tom de ironia ou indiferença pra atrair atenção, em tom de apelo, com pontas de teimosia, apontando dedos e pressionando botões… Ninguém pode dizer nunca que não julga ou que não aponta porque isso é escolher e escolhas são feitas o tempo todo, a maior parte sem mesmo nos darmos contas. É tão automático usar esse e não aquele…
Aqueles que são mesmo psicólogos, e eu me coloco nesse grupo por saber que eu tenho essas qualidades, têm algo diferente, vêem as coisas de um jeito diferente. Existe curiosidade e troca de informações e escolhas, talvez mais do que com pessoas “normais” mas notamos cada passo, dissecamos cada situação que nos acontece, queremos entender, não, precisamos entender porque senão essa curiosidade nos consome. Precisamos elaborar e gerar insights constantes, precisamos ouvir o que acontece aqui e ali e ficar de olho nas janelas ao redor do prédio, precisamos notar quem passa por nós na rua ou quem está na biblioteca no momento em que estamos, as pessoas que vão ao parque, as conversas alheias na praça de alimentação do shopping, as conversas frenéticas no celular… Não conseguimos desviar o olhar da linguagem corporal de pessoas conversando ou namorando ou brigando… Acho que vemos o que os outros não vêem e compreendemos coisas mais cedo que a maioria das pessoas.
Pessoas como nós são tão essenciais… Havia um tempo em que as pessoas pediam licensa quando falavam ao telefone, porque não queriam que outras pessoas ouvissem e que diários tinham locais mais que secretos dentro dos quartos das meninas (e de alguns meninos). Códigos eram criados, gerando um novo alfabeto pra que, no caso de ser encontrado, o diário nunca fosse decifrado. Só era possível saber o que eu pensava se eu falasse ou se escrevesse numa redação da escola ou num trabalho da faculdade. Coisas sobre mim, minhas preferências e o meu aniversário e o que eu faria nesse final de semana só poderiam ser descobertas se alguém me perguntasse e se eu respondesse. Fotos e vídeos minhas eram privados e eu só mostraria se eu me sentisse confortável e para algumas pessoas. E isso era simples e era fácil.
Um pouco mais de dez anos se passaram e de repente somos talvez a geração mais solitária que já existiu, talvez estejamos sedentos por atenção… Ao invés de pedir privacidade, falamos alto no celular em qualquer lugar. Temos identificador de chamadas pra que eu saiba com quem quero falar e quem mais estiver próximo de mim quando o celular tocar.
Pelo meu orkut ou myspace ou facebook, qualquer um pode saber o que eu vou fazer hoje ou amanhã ou nesse final de semana, todo mundo sabe a data do meu aniversário, quantos idiomas eu falo e se eu odeio segunda feira, se eu fiz amigos bebendo leite, se eu tive um ex namorado que quer ser comediante, se eu sou psicóloga, se eu sou de peixes e que, se nada mais certo viro hippie. Todo mundo sabe os amigos que eu tenho e quem eu conheço, as celebridades que amo/odeio, os lugares que curto ou não ir… Todo o mundo tem acesso a minhas fotos e vídeos, todos devidamente catalogados e anunciados em algum lugar.
Todo o mundo pode opinar sobre o que eu penso e o que eu sinto, porque eu sempre deixo um pedaço de mim e do meu dia num blog. Temos curiosidade sim em saber do outro e com o tempo, descobrimos também nossa necessidade de que isso aconteça, de que o outro tenha interesse. Rapidamente os blogs ficaram mais sofisticados, as fotos com mais poses programadas e os facebooks e orkuts da vida mais recheados de informações (necessárias ou não) Todas as pessoas nessa roda estão, de alguma forma, querendo um pouco de atenção. Querendo saber o que o outro pensa e tem a dizer. É um círculo vicioso de ego e de prazer constante. O elogiado quer ser constantemente elogiado, o criticado quer brigar pra mostrar o erro do crítico… e aquele que ainda não teve nem um e nem outro, continua por aqui, tentando ver o que consegue. Se é bom ou ruim eu não sei, mas é humano.

Texto retirado do blog: Não quero nada não, tô sío dando uma olhadinha (http://imjustlooking.wordpress.com/)