8.10.08

::Cadê a Lua de Mel² (o mito)::

Após o nosso nascimento, começamos a aprender determinados valores que a nossa família acreditou ser muito importante para o nosso desenvolvimento. Recebemos ao longo da nossa vida um batalhão de pode e não pode de nossos pais, avós, tios e conhecidos. Nossos pais nos treinaram para que fossemos ótimos representantes daquilo que chamamos de sobrenome. Um Rocha Barros jamais entra na casa de alguém e abre a geladeira sem a permissão do dono da casa. Um Rocha Barros, jamais fala “hoje eu posso almoçar na sua casa?” sem antes consultar seus pais e os pais do amigo. Lembro muito bem de um episódio que fiquei chocado dentro da minha moralidade infantil Rochabarrrosiana. Era final do ano, época de recuperação (certamente de matemática, não tenho certeza, mas presumo que sim), eu deveria estar na terceira série. Quando eu voltava para casa encontrei um grande amigo meu, que além de ser grande amigo era muito inteligente, logo, já estava de férias. Convidei para ir até a minha casa para brincar e ele foi. Estávamos brincando, eu, meu amigo e meu irmão. Perto do almoço, meus pais nos chamaram para almoçar, nisso meu amigo fala “posso almoçar aqui”. Concordei, afinal de contas um Rocha Barros jamais diria não, numa situação dessas, lembro que na hora eu pensei, “mas ele não vai pedir para os pais dele?”. Enfim! Todos nos seguimos as nossas vidas, ele almoçou lá, outra vez eu almocei na casa dele (com a autorização dos meus pais), passei de ano, peguei outras recuperação ao longo do colégio e até hoje eu lembro daquela cena. Dentro dos ensinamentos pode e não pode, existe aquilo que para a psicanálise chamamos de mito familiar. O mito familiar é aquilo que pode ser ou não dito, mas é transmitido de alguma forma. Desde aquela época da recuperação, antes disso até, eu já sabia que quando eu completasse o ensino fundamental, eu iria morar em Santa Maria, para fazer o ensino médio & o ensino superior. Afinal de contas um Rocha Barros deverá ter no mínimo uma graduação. O mito familiar é passado de forma tão silenciada, que isso não se torna algo impositivo-cobrado-escrachado, mas não segui-lo é equacionalmente igual à decepção familiar. Temos o livre arbítrio, todos nós temos, e todos nós de alguma forma acreditamos nele, entretanto, ele é a oposição do mito. Ser livre nas suas escolhas é conseguir colocar na balança o que você quer versus o que o mito familiar gostaria muito que você escolhesse. Na minha família foi assim, na sua também, todos nós temos um mito familiar (se não tiver, bom é melhor ficar preocupado). Sabíamos que Santa Maria era o nosso destino para o mundo adulto. Meu irmão foi primeiro, abrindo passagem, dois anos depois, foi a minha vez de voar. Morei e vivi em Santa Maria durante quatro anos. Fiz o que o mito familiar exigiu, cumpri em quatro anos o que deveria fazer em três.
Reprovar de ano é a pior e a melhor coisa que pode acontecer quando você está no colégio. Hoje relendo a minha biografia, sei que foi muito positivo ter reprovado, entretanto, sentir o peso da decepção familiar nas costas é simplesmente assustador, e acima de tudo, sentir o peso da auto-decepção seguida da decepção familiar é simplesmente despertador. Você descobre na reprovação que a “vida”, para não colocar a culpa em nós mesmo, nos interdita. A conseqüência é repetir mais uma vez a série. Já o lado positivo, é que você descobre que essa interdição pode te amadurecer e te dar subsídios para seguir. No ano seguinte, conheci amigos que levo comigo até hoje, descobri que quando seu pai e sua mãe brigam contigo na frente dos professores, não significa que eles estão bravos contigo, mas apenas exercendo o papel de pais, descobri que se sua mãe briga com o professor por sua causa, não significa que ela está feliz contigo, ela só está exercendo o papel de mãe, descobri que seguir o pensamento do seu pai numa poesia, mas dar pitacos nas frases pode te dar o premio de primeiro lugar no concurso de poesia sobre gaúchos (mesmo sendo catarinense com pai gaúcho). E acima de tudo, descobri que o que significa ser repetente, e que isso não te garante boas notas no ano seguinte. Enfim! Descobri muitas coisas.
O Mito familiar continuava a indicar as setas para aquilo que eu acreditava ser o ideal de filho para meus pais. Com tantas setas, era inevitável não acreditar que a faculdade era o foco. Meu irmão não foi aprovado no vestibular de SM, e sim de Blumenau. Dois anos depois, repito o mesmo percurso. Até então o percurso que o meu irmão fazia, era o mesmo que eu deveria fazer. Vim para Blumenau, fazer a graduação, o último estágio da exigência do mito familiar. Aprendi dentro da faculdade, além de Psicologia, que existe uma diferenciação entre fazer uma faculdade, estar na universidade e percorrer a academia, escolhi a terceira.
Lembrando, a exigência não é apenas dos pais, nessa altura do campeonato fica difícil separar o que é desejo dos teus pais e o que é nosso desejo, cresci ouvindo que faria faculdade, logo, é o que eu devia fazer. É o óbvio.
Eu só não sei se isso é destino, sina, mito ou o livre arbítrio, operando, mas essa é a vida (continua...)